Tibete<br>hipocrisia imperialista

Albano Nunes

São grandes os desafios que se colocam aos comunistas e ao povo da China

Se há realidade complexa cuja compreensão é incompatível com clichés, ela é a República Popular da China. Pelo passado histórico de uma civilização milenar que durante séculos surpreendeu e deslumbrou quantos a contactaram. Pela sua população gigantesca e grande extensão territorial. Pelo mosaico de nacionalidades e culturas que a compõe. Pelo extraordinário valor de uma revolução (1949) - que depois de Outubro, foi o maior acontecimento libertador do século XX - e pelos sulcos do seu acidentado percurso. Pelo inédito empreendimento em curso que se propõe transformar uma sociedade atrasada num país desenvolvido e próspero. Pelo peso crescente e incontornável da China na economia e na vida política internacional. É neste enquadramento complexo que os recentes acontecimentos no Tibete têm necessariamente de ser inseridos sob pena de ridículas simplificações, interesseiras falsificações ou descaradas manifestações de hipocrisia.

Não se ignora que o impetuoso desenvolvimento da RPC com as suas características específicas gera problemas, tensões e contradições que compete aliás ao próprio povo chinês enfrentar e resolver. Nos acontecimentos na Província chinesa do Tibete há porém causas específicas que estão muito para além disso. Basta um exemplo (Público, 22.03.08) para ver que assim é: a visita da Presidente da Câmara dos Representantes do Congresso dos EUA ao norte da Índia para se encontrar com o Dalai Lama, um dos mais mediatizados e promovidos figurões internacionais que, afivelando o ar evangélico de santo acima de qualquer suspeita, é realmente um instrumento do imperialismo contra a estabilidade e integridade territorial da RPC. Em Dharamsala, onde se encontra o «governo do Tibete no exílio», a srª Pelosi, destacada membro do Partido Democrático, terá afirmado que «a situação no Tibete é um desafio à consciência do mundo» e que «se as pessoas que amam a liberdade em todo o mundo não falarem claramente contra a China no Tibete, então perdemos a autoridade moral para falar claro sobre direitos humanos».

Mas terão os EUA, país que a srª Pelosi representa, alguma «autoridade moral» para fazer apelos à «consciência do mundo» e arvorar-se em defensores dos «direitos humanos»? Valerá a pena perder tempo a desfiar o rosário de crimes por que é responsável o imperialismo norte-americano no Afeganistão, no Iraque, na Palestina, no Kurdistão, nos Bálcãs e noutros pontos do mundo? Talvez não. Mas é indispensável isso sim lembrar que a RPC – que só em 1971 entrou para a ONU onde a clique de Chiang Kaishek - usurpava o seu lugar e apenas em 1978 foi oficialmente reconhecida pelos EUA – é alvo de uma persistente e sofisticada campanha de ingerências (não esquecer o bombardeamento da Embaixada da China em Belgrado durante a guerra à Jugoslávia ou o célebre caso do avião espião interceptado pela força aérea chinesa) que do Sinkiang a Taiwan passando pelo Tibete, visam a destabilização deste grande país. Que tudo isto ocorre em vésperas de eleições em Taiwan favorecendo objectivamente os aventureiros independentistas (que acabaram derrotados). Que a realização dos Jogos Olímpicos em Pequim está a ser utilizada para exercer sobre a RPC pressões inadmissíveis, levando mesmo o Presidente do Parlamento Europeu a brandir a ameaça de boicote e uma jornalista tão avisada como T. de S. a escrever (Público, 19.03.08) um mimo como este: «Ser uma potência mundial tem um preço que, por enquanto, o Ocidente ainda está em condições de ditar».

São grandes os desafios que se colocam aos comunistas e ao povo da China. Mas os tempos de sujeição e humilhação nacional, tempos em que na própria China havia espaços cuja entrada era «proibida a cães e a chineses», esses pertencem ao passado. Não há hipocrisia que valha aos herdeiros das guerras do ópio e dos tratados desiguais que tanto sofrimento impuseram ao povo chinês.


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